Cerca de 1,2 milhão de pessoas fazem uso da droga no país.
Psiquiatra da Uerj diz que atendeu 200 pacientes e só recuperou um.
Um fotógrafo profissional de 40 anos, depois de passar noites vagando  pelas ruas, evitando as pessoas, não resistiu aos apelos do vício e  entregou sua câmera Canon de última geração, avaliada em mais de R$ 20  mil, nas mãos de um traficante. Em troca, pediu 30 pedras de crack. Duas  meninas, uma de 8 e outra de 12 anos, satisfaziam todos os desejos  sexuais de “craqueiros”, em uma praça do Rio, para ter a droga. Embora  os efeitos devastadores do crack sejam conhecidos, nem mesmo os  especialistas mais experientes possuem uma receita eficaz para tratar os  usuários dessa droga.
“Calcula-se que hoje pelo menos 1, 2 milhão de pessoas usem crack no  Brasil. A maioria jovens. A gente não está falando de usuários de uma  droga. A gente está falando de uma geração. Acho que estamos  despreparados. Estamos de calças curtas. A gente não sabe como lidar com  isso”, reconhece a psiquiatra Maria Thereza Aquino, professora da  Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que durante 25 anos  dirigiu o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas  (Nepad).
“Eu, honestamente, de todos os pacientes de crack que atendi, perto  de 200, de 2008 a 2010, só recuperei um”
Os dramas dos personagens acima foram relatados a profissionais do  Nepad, instituição que capacita professores, desenvolve pesquisas e  oferece atendimento psicanalítico e terapêutico aos usuários. “Eu,  honestamente, de todos os pacientes de crack que atendi, perto de 200,  de 2008 a 2010, só recuperei um”, admite a psiquiatra.
Quanto ao aumento do número de usuários no Brasil, que já  contabilizaria mais de 1 milhão de pessoas, Maria Thereza se refere ao  estudo apresentado no início do mês passado pelo psiquiatra Pablo Roig,  especialista no tratamento de dependentes da droga, durante o lançamento  da Frente Parlamentar Mista de Combate ao Crack, na Câmara dos  Deputados.
“O crack tem uma extensão assustadora. Existe uma sensação de  descontrole, de perda da situação”, afirma Pedro Lima, da Secretaria  municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro.
“É uma coisa que assusta muito a gente. O problema é que quase  ninguém sabe como lidar com isso”, emenda a gerente de projetos da  Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça,  Suelen da Silva Sales, ao anunciar a formação de 900 policiais  (militares, civis e peritos) que vão atuar nas fronteiras do país para  evitar a entrada de drogas como cocaína e pasta base usadas na produção  do crack.
“O crack apresentou nos últimos 5 anos um fato novo em relação aos  desafios no campo da saúde. As respostas têm sido heterogêneas,  atrapalhadas, precipitadas. É preciso serenidade, pois estamos diante de  uma experiência trágica. É uma situação social de extrema gravidade”,  alerta o coordenador da área de saúde mental do Ministério da Saúde,  Pedro Gabriel Delgado.
Na semana passada, durante dois dias, um grupo de especialistas,  incluindo Pedro Lima, Suelen Sales e Pedro Gabriel, se reuniu na sede da  organização não governamental Viva Rio para definir estratégias e  formular um documento com orientações de como tratar o problema do  crack. As recomendações serão entregue a equipes do Programa de Saúde da  Família.
De acordo com os especialistas, de todas as drogas o crack é a mais  perversa. Por ser inalada, atinge diretamente o pulmão e o cérebro em  cerca de oito segundos.
De acordo com os especialistas, de todas as drogas o crack é a mais  perversa. Por ser inalada, atinge diretamente o pulmão e o cérebro em  cerca de oito segundos. Como o efeito é rápido, o usuário quer consumir  cada vez mais, para manter a sensação de prazer constante. Com a  frequência, o usuário se torna dependente em menos de cinco vezes de  utilização. As últimas pesquisas sobre a droga mostram que em geral 30%  dos usuários de crack morrem nos primeiros 5 anos de uso.
“Quem usa crack está sob a ação de uma cocaína quase 80 vezes mais  poderosa do que a cocaína comum”, atesta Maria Thereza Aquino.
“O indivíduo algum tempo depois, três meses depois do uso, começa a  ter tosse sanguinolenta, o nariz não para de escorrer, começa a decompor  a musculatura, fica com uma magreza só comparável à magreza da Aids.  Ele fica frágil, o pulmão arrebentado, o cérebro também sofre pequenas  hemorragias. Então, o sujeito pode ter um comportamento errático. O que  você consegue perceber no usuário de crack é uma espécie de indigência  mental e física muito grande”, analisa a psiquiatra.
Para ilustrar o estado de um dependente de crack em estágio avançado,  Maria Thereza costuma contar o relato de um de seus clientes. “Um  paciente meu, universitário de 19 anos, estava namorando uma garota que  frequentava com ele redutos de consumo de crack. Ele parou e voltou ao  lugar para ver se a convencia – ela era de uma boa família – a parar. O  rapaz disse que se viu diante da mais pobre menina de rua que já tinha  visto. Era uma moça bonita e que estava em três meses completamente  acabada. Essa droga provoca uma degradação humana assustadora”, conclui.
Do G1 RJ







 

 
 
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